Livro | Frankenstein | Mary Shelley


Livro | Frankenstein | Mary Shelley

Talvez eu devesse usar as 500 primeiras palavras para falar um bocado de coisas que vocês já sabem ou vão descobrir ao ler o livro, sabe, fazer como os booktubers ruins e escrever uma porção de pataquadas repetitivas sobre “como esse livro é muito bom… nossa… sei nem o que dizer”.

Eu peguei o Frankenstein em uma viagem e levei três/quatro dias para ler de uma capa até a outra. Essa edição conta com alguns textos de apoio — ótimos para situar o contexto histórico do livro — e com outros contos da autora. Graças à diagramação e às ilustrações, essa se torna uma edição muito imersiva. Mandou bem editora.

Pegar um clássico é sempre um desafio. Normalmente, você tem várias noções pré-concebidas sobre a história e acaba com a sua leitura bem contaminada. Esse livro é especialmente problemático pois a cultura pop usou e abusou desse personagem nas mais variadas formas. Infelizmente TODAS, basicamente TODAS as formas de Frankenstein que aparecem no cinema e na cultura pop, geralmente, estão “erradas” — ou diferentes de como aparece no livro.

Mas vamos ao livro. Em resumo, Frankenstein é um universitário que graças aos seus estudos naturalistas consegue descobrir como animar um corpo. Ele então se dedica a criar uma criatura superior aos humanos. O seu primeiro experimento é um sucesso e o monstro ganha vida. Qual é a questão? Estamos entre 1790 e 1820, com o Romantismo inglês pegando fogo, então é evidente que os personagens e a narrativa terão todos os reflexos desse movimento. Existe uma carga emocional exacerbada em algumas cenas. Forte interiorização dos sentimentos e o reflexo deles no mundo.

Sua criatura sofre com a existência — traço claro do romantismo — e luta para conseguir incorporar-se aos dias. Aprendiz ávido, o monstro procura absorver um universo inteiro de sentimentos e sensações na sua busca por compreender o espirito humano e compreender a si mesmo. Deformado e dono de uma atividade mental intensa, o monstro é uma espécie de “artista incompreendido” que, ao ser rejeitado pela sociedade e por seu criador, torna-se vingativo e maléfico.

Afastado da sociedade e incompreendido pelo seu criador, o monstro escolhe para si o papel de um demônio. Em um capítulo onde ela conta a sua história, a criatura diz que ao ler Paraíso Perdido de John Milton, procurou ser como os anjos, mas na impossibilidade de encontrar compreensão, se identificou com Satanás. E é esse demônio romântico que atua no livro.

A narrativa conta ainda com outros personagens tão intensos quanto a criatura e a história dá saltos interessantes

O livro aborda as descobertas cientificas da época — que eu não vou esmiuçar aqui, você saberá sobre elas ao ler o livro — empregando a ciência em pró do terror. Mary Shelley foi desafiada a criar uma história de terror. Inteligente, ela sabia que incorporar elementos do cotidiano seria mais eficaz do que ater-se ao puro misticismo.

É preciso dizer, existe um distanciamento muito grande entre o leitor brasileiro de 2018 e a escritora inglesa de 1818. A própria carga emocional que serve de linha guia para algumas cenas soam estranha aos nossos ouvidos. Contudo, se você insistir, após algumas páginas o paladar já estará treinado e você terá um livro rico em mãos.

Essa mistura entre Romantismo, ciências e terror, resultou em um livro imortal. Terminar um clássico é, sempre, recompensador. Existe essa sensação de vitória e você sabe que se tornou, efetivamente, um leitor melhor. Depois de derrubar alguns clássicos, você vai descobrir que dá sim para julgar um livro pela capa — aka livros de youtubers e afins.

Frankenstein está em uma edição muito amigável e cheia de boas histórias. Os contos no final dão um panorama geral sobre a autora e, além de conter uma ótima história, é possível ver, com curiosidade, parte da mística que envolvia a ciência no início do período de 1800. Ou analisar a mística que envolve a ciência até hoje. Ou seja, um clássico daqueles bojudos, repleto de material para releituras e reinterpretações.

Já fica de dica. Você não precisa ler um livro cabeça sempre. Mas pegue as suas últimas 10 leituras e pense “alguma destas histórias tem potencial para viver 200 anos?” Se a resposta for não para todos, é melhor você diversificar o que você anda consumindo.

Por enquanto é só isso mesmo, espero que você tenha se interessado pelo livro. Se quiser reclamar, criticar ou conversar, é só escrever.

Obrigado!